O Projeto de Lei nº 4.188/2021 foi sancionado com vetos parciais pela Presidência da República, convertendo-se na Lei nº 14.711/2023, denominada Marco Legal das Garantias.
A lei trouxe como principais diretrizes a flexibilização no uso de garantias, a promessa de diminuição da burocracia, a redução dos custos financeiros das transações e na constituição de garantias, a otimização de ativos atualmente subutilizados nas operações de crédito, bem como o aumento da segurança jurídica e da recuperabilidade dos créditos. O contexto verificado no Brasil denota percentual reduzido de recuperabilidade dos créditos. A reforma legislativa sobreveio ante os anseios do mercado em geral, a fim de conferir previsibilidade jurídica na recuperação dos créditos, e fomentar sua oferta. Alterações legislativas no âmbito do agro No que concerne ao agronegócio, o Marco Legal promete incrementar e maximizar a utilização do patrimônio do tomador, considerando a experiência que aponta que, comumente, os produtores rurais dispõem de ativos imobiliários rurais que excedem demasiadamente o valor das operações de crédito garantidas, conduzindo ao cenário de ineficiência da garantia — ao que o mercado denomina de “capital morto”. As alterações promovidas pelo Marco Legal das Garantias se inserem na tendência dos Poderes Executivo e Legislativo verificada nos últimos anos, especialmente, a partir da iniciativa capitaneada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), com apoio do Ministério da Economia e do Banco Central, a partir de 2019, que já buscava modernizar o regime legal das garantias e criar cenário de maior previsibilidade para o financiamento privado do agronegócio. Tal movimento culminou, a princípio, na edição da Medida Provisória nº 897/2019, e posteriormente em sua conversão na Lei nº 13.986/2020, que passou a ser denominada como a Lei do Agro. Dentre as principais alterações promovidas nessa esteira legislativa iniciada a partir da Lei do Agro, menciona-se aquelas promovidas no regime legal das Cédulas de Produto Rural, com a previsão expressa de constituição da alienação fiduciária sobre produtos agropecuários, inclusive, de extensão da garantia aos subprodutos resultantes do beneficiamento, bem como às safras futuras, com o intuito de sanar os riscos de questionamentos quanto à sua validade e de garantir a efetividade da garantia. O Patrimônio Rural de Afetação (PRA), em que pese ainda pouco utilizado desde a edição da Lei do Agro, também constituiu importante nova proposta legislativa de otimizar o aproveitamento econômico dos ativos imobiliários rurais, ao permitir a constituição da garantia sobre fração do imóvel rural, sem a necessidade de desmembramento e que, ao mesmo tempo, reforça a proteção do credor detentor da garantia nos cenários de insolvência. Seguindo a fila de alterações legislativas setoriais relevantes, as intenções do Marco Legal das Garantias são cruciais no âmbito do financiamento privado às atividades agropecuárias, haja vista a conjunção atual de redução do orçamento público para as linhas oficiais de crédito disponibilizadas pelo governo. Nesse ponto, é relevante o estudo sobre o balanço do Agronegócio no Brasil no ano de 2023, e sobre as perspectivas para 2024, conduzido pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que aponta: “Com a previsão de que a Selic permaneça próxima aos 9,25% no final de 2024, produtores irão demandar ainda mais dos recursos equalizados com taxas de juros menores ao crédito rural. Os desafios fiscais e monetários que o país enfrenta, e continuará a enfrentar em 2024, colocarão as políticas agrícolas em xeque.” As limitações orçamentárias, e o contexto fiscal e monetário do país sujeitam os produtores rurais a taxas elevadas e à maior necessidade de recursos, conduzindo à inevitável aproximação do financiamento do Agronegócio ao setor privado e ao mercado de capitais. Segundo dados compilados pela CNA perante a B3 e o Mapa, os valores de estoque dos títulos privados do agronegócio experimentaram salto relevante entre setembro de 2022 e setembro de 2023, constatando-se um aumento de 126% dos Fundos de Investimentos nas Cadeias Agroindustriais, 54% de Cédulas de Produto Rural, e de 28% de CRAs. Avaliação positiva e outros destaques A reforma promovida pelo Marco Legal das Garantias veio, portanto, em bom tempo e de forma primordial para enfrentar os gargalos do sistema legal das garantias, para incrementar o mercado de crédito privado, ponto crucial especialmente para o agronegócio, ante às referidas restrições orçamentárias do crédito público, somadas às adversidades experimentadas pelos agentes atuantes no agronegócio, dado o aumento dos custos de produção e dificuldades na aquisição de insumos, máquinas e equipamentos. Especialmente em relação à alienação fiduciária, a Lei nº 14.711/2023 trouxe medidas relevantes de aprimoramento, prevendo a possibilidade de registro de alienação fiduciária superveniente sobre o mesmo bem imóvel. Os agentes econômicos, antes do Marco Legal das Garantias, operavam com estruturas semelhantes, tal como a constituição de alienações fiduciárias com condição suspensiva de quitação da dívida garantida pela alienação fiduciária pré-existente, mas que eventualmente eram alvo de entraves quando do registro da garantia por parte dos cartórios. Com a alteração, o instituto passa a contar com expressa previsão legal, que confere segurança jurídica adicional. Também, positivou-se de forma expressa a possibilidade de vencimento antecipado cruzado de todas as dívidas de forma simultânea, que também é aplicável à alienação fiduciária superveniente. De igual modo, a aceleração do vencimento antecipado cruzado de diversas dívidas garantidas por um mesmo ativo também já era praticada pelos agentes econômicos. Contudo, a previsão expressa no Marco Legal das Garantias contribui para a segurança jurídica na possibilidade de cross default, ante as controvérsias quanto à validade da declaração de vencimento antecipado cruzado das dívidas, em especial presentes no cenário de insolvência do tomador de crédito. Promovendo alterações no Código Civil, a Lei nº 14.711/2023 previu também a possibilidade de extensão da hipoteca para a garantia de novas obrigações em favor do mesmo credor. Também, merece destaque a inovação prevista no Capítulo IV da Lei nº 14.711/2023, ao disciplinar o processo de concurso de credores na execução extrajudicial das garantias imobiliárias, nos casos em que um mesmo ativo imobiliário é ofertado em garantia em favor de mais de um credor, seja no caso de execução extrajudicial da garantia hipotecária ou de consolidação da propriedade fiduciária. O procedimento extrajudicial de execução em concurso de credores aplicáveis à hipoteca e à alienação fiduciária será conduzido pelo oficial de registro de imóveis competente, que intimará os credores concorrentes para habilitação de seus créditos. As inovações são bem-intencionadas, ante a regulamentação expressa no cenário de compartilhamento do mesmo ativo imobiliário em garantia a uma pluralidade de credores, conferindo à publicidade a todos os credores envolvidos no concurso sobre o possível exaurimento da garantia. Contudo, questiona-se a aplicabilidade prática da previsão e se os registros de imóveis terão sucesso na condução do procedimento em concurso. Especialmente no âmbito das operações de crédito no agronegócio, a subutilização de ativos imobiliários rurais apresenta-se como entrave no mercado de concessão de crédito privado para financiamento das atividades agropecuárias. A maximização do potencial do patrimônio é ponto positivo do Marco Legal e é vantajosa aos agentes atuantes no setor. Também, visando fomentar o uso da garantia hipotecária, foi prevista a homogeneização do tratamento legal da hipoteca com os procedimentos referentes à alienação fiduciária. Na própria exposição de motivos do anteprojeto da lei, ressaltou-se o desuso da garantia hipotecária nas operações de crédito imobiliário, representando apenas 6% (por cento) das operações. A premissa que motivou o anteprojeto pautou-se, sobretudo, na intenção de recuperar essa modalidade de garantia. As prerrogativas concedidas ao credor fiduciário, assegurando-lhe o rito extrajudicial de excussão e a extraconcursalidade dos créditos nos processos de insolvência, eram fatores que motivaram essa tendência dos agentes de preferir à constituição da alienação fiduciária. Sobretudo, quando se tratava de ativos imobiliários rurais, após a recente reforma da Lei nº 13.986/2020 (Lei do Agro) que trouxe a possibilidade de constituição da alienação fiduciária em favor de entidades estrangeiras ou controladas por estrangeiros, tais agentes que antes optavam pela hipoteca, também aderiram à alienação fiduciária, corroborando para o desuso da hipoteca nas operações de crédito. A reforma introduziu a execução extrajudicial da hipoteca, de forma semelhante ao procedimento extrajudicial de consolidação da propriedade fiduciária. Tal inovação mostrou-se guiada pela intenção legislativa de aprimorar o rito de excussão da garantia hipotecária, viabilizando a execução via extrajudicial, mais célere, sem que o credor tenha que se socorrer ao Poder Judiciário. Após as emendas propostas durante o processo legislativo, contou com o incremento da disposição no sentido de afastar a aplicabilidade da execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca das operações de financiamento da atividade agropecuária. O acréscimo de singelo parágrafo excluiu as operações de financiamento das atividades agropecuárias da aplicação das novas regras de execução extrajudicial da hipoteca. Depreende-se que a motivação exposta na emenda legislativa propositiva de tal exceção pautou-se nas premissas de possível fragilização e desequilíbrio da posição jurídica do produtor rural nas operações de crédito, da proteção à segurança alimentar por meio dos pequenos e médios produtores rurais que possuem um único bem para oferecimento em garantia, do desinteresse dos produtores rurais na possibilidade de execução extrajudicial da hipoteca, bem como da inexistência de evidências de que o procedimento extrajudicial de execução representará redução do custo de crédito. Em que pese os argumentos em questão, a compreensão integral do Marco Legal das Garantias não conduz à conclusão de possível afronta aos valores pontuados na emenda legislativa. Sobretudo, considerando que, durante o processo legislativo, foi retirada a previsão do antigo projeto de lei que visava à alteração da Lei nº 8.009/1990 a fim de restringir as possibilidades de um imóvel ser alegado como bem de família, de modo que tal supressão já mitigou o risco à única propriedade do pequeno e médio produtor rural. Outrossim, o procedimento de execução extrajudicial da hipoteca também não implica fragilização ou desequilíbrio da posição jurídica do produtor rural nas operações de crédito. A equiparação da excussão da hipoteca à alienação fiduciária não comprometeria os direitos fundamentais dos produtores rurais, tratando-se de mera homogeneização de procedimentos e atribuição de tratamento jurídico isonômico a ambas as modalidades de garantias reais. A constituição da alienação fiduciária para fins de obtenção de crédito para custeio da atividade agropecuária já é corriqueiramente utilizada pelos produtores rurais, inclusive, o próprio rito de excussão extrajudicial é inerente às práticas de mercado, quando se constata o cenário de inadimplemento. Se cogitasse da hipótese de possível fragilização de direitos fundamentais, tal violação se observaria em qualquer operação de crédito com constituição de alienação fiduciária, independentemente da modalidade de atividade econômica financiada, não se vislumbrando justificativa para se excetuar as operações de financiamento da atividade agropecuária da aplicação da execução extrajudicial da hipoteca. Merece relembrar que, o Supremo Tribunal Federal julgou o Tema 982 de repercussão geral no final de 2023, e reconheceu a constitucionalidade da execução extrajudicial dos contratos com alienação fiduciária pelo Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) prevista na Lei nº 9.514/1997, concluindo que não há violação aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal, ante a possibilidade de controle judicial no caso de irregularidade. A restrição da utilização da execução extrajudicial da hipoteca nas operações de financiamento da atividade agropecuária apresenta-se como ponto contraditório ao intuito da reforma, criando entrave que reduz as opções de garantias disponíveis na estruturação de operações que visem ao custeio do agronegócio. Ao que parece, perdeu-se a oportunidade de fomentar o uso de tal modalidade e de viabilizar maior oportunidade e aproveitamento de ativos imobiliários rurais para fins de financiamento setorial. Conferir atratividade aos agentes econômicos para o uso da garantia hipotecária nas operações de crédito da atividade agropecuária era desejável ao próprio produtor rural, que poderia se valer da hipoteca para diversificar a matriz de garantias de oneração sobre seu patrimônio, como forma de evitar a concentração da alienação fiduciária — e, via de consequência, mitigar o comprometimento de eventual processo de reestruturação dada a extraconcursalidade dos créditos acobertados pela garantia fiduciária. A exceção em tela também conduz à exclusão de tal segmento do aproveitamento do novo instituto da execução extrajudicial das garantias imobiliárias em concurso de credores, introduzido pelo Marco Legal das Garantias. Considerações finais Em suma, ressalvadas determinadas contradições que poderiam representar avanços ainda maiores, sobretudo no âmbito do Agronegócio, o texto final do Marco Legal das Garantias aprovado e sancionado é, em uma visão geral, positivo e se propõe a conferir maior segurança e previsibilidade jurídica nas garantias ofertadas, bem como a otimizar e maximizar os ativos oferecidos para captação de crédito, em linha com os esforços legislativos verificados desde a edição da Lei do Agro. O resultado promete aos agentes de mercado a mitigação dos gargalos atualmente suportados, com a baixa eficiência ou subutilização de ativos, tanto do ponto de vista do tomador de crédito, como sob a perspectiva do agente econômico fomentador, para além de buscar endereçar a insegurança jurídica no que diz respeito a determinadas estruturas de operações de financiamento e a melhoria dos procedimentos de excussão a fim de melhorar a baixa recuperabilidade dos créditos. Renato Buranello é sócio de agronegócio do VBSO Advogados. Juliana Silva Bento é advogada de agronegócio do VBSO Advogados. Fonte: Conjur | ||
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