Em entrevista à Anoreg/SP, o professor da Unicamp e o autor do artigo “Rastros do Cisne Preto: Lino Guedes, um escritor negro pelos jornais (1913-1969)”, Mário Augusto Medeiros, falou sobre o primeiro poeta negro do século XX
No século XX, o estado de São Paulo contava como um dos seus habitantes um crítico jornalista, militante racial, escritor e pioneiro da poesia negra no país, Lino Pinto Guedes. Hoje, após 70 anos de sua morte, o precursor da negritude é o destaque desta reportagem produzida pela Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo (Anoreg/SP). Falecido por insuficiência cardíaca aos 54 anos, o primeiro poeta negro do século XX, foi o responsável por denunciar o preconceito, dar voz e orientar a população negra, por meio da literatura. Lino Guedes morreu em março de 1951, deixando sua esposa Felícia Guedes e sua filha Endy, com 16 anos de idade na época. O registro de óbito do pioneiro foi lavrado no Cartório de Registro Civil do 21º Subdistrito da Saúde em São Paulo. Nascido em 27 de junho de 1896 em Socorro, cidade do interior do estado de São Paulo, Lino Pinto Guedes, ou Lino Guedes, filho dos ex-escravos José Pinto Guedes e de Benedita Eugenia Guedes, era um homem movido pela ocupação do negro na sociedade. Hoje, após 70 anos do seu falecimento, a sua atuação militante e os seus trabalhos literários são reconhecidos e considerados raridade nacional. “Guedes foi um intelectual negro muito importante para a história da literatura negra em São Paulo e para o ativismo político negro no Brasil, na primeira metade do século XX, sendo que os seus trabalhos alcançaram as gerações de intelectuais negros seguintes”, conta o professor de sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o autor do artigo “Rastros do Cisne Preto: Lino Guedes, um escritor negro pelos jornais (1913-1969)”, Mário Augusto Medeiros. “Lino Guedes é um autor importante para história literária negra brasileira, que merece ser mais conhecido, sendo responsável por procurar retratar de maneira digna e altiva a vida negra em São Paulo e no Brasil”, completa. Ilustração do Lino Guedes Da criança ao militante da negritude Com apenas dois meses, Lino perdeu o seu pai e Benedita Guedes passou ser a única responsável por sua educação e de sua única irmã, Gracinda Guedes. Viúva e com duas crianças, a mãe de Guedes precisou pedir ajuda ao “antigo senhor”, o coronel Olympio Gonçalves dos Reis, um fazendeiro e um dos chefes políticos mais poderosos da cidade de Socorro. A boa relação da família com o coronel permitiu que Lino ingressasse no ensino fundamental da cidade, espaço que propiciou a Guedes os primeiros sinais para a sua vocação literária e jornalística. Com o apadrinhamento de Olympio Gonçalves, aos 15 anos o jovem Lino mudou-se para o município de Campinas, interior de São Paulo e a 115 km de Socorro, buscando dar continuidade aos estudos e tornar-se um grande professor. Na época, o município era o segundo maior no número de escravizados do estado. A cidade com grande volume de negros era o centro de associações recreativas, reivindicativas e contemporâneas da negritude. Em solo campineiro e durante o período estudantil, Lino Guedes participou do grêmio literário, colaborou nos jornais A Gazetilha, A Eclética, A Camélia, O Discípulo, A Tribuna e Polyanthéa e trabalhou como revisor de textos no Diário do Povo. Aos 22 anos, Guedes engajou-se na impressa em defesa da negritude e ficou conhecido em São Paulo e Campinas como porta-voz dos negros. A presença de Lino nas associações negras campineiras impulsionara o crescimento do jovem na área jornalística. São Paulo, a cidade dos anseios Com grandes anseios, em 1926, aos 29 anos, Lino Guedes decidiu-se mudar para capital de São Paulo. No início do século XX, o município paulista já era uma cidade de padrões cosmopolitas, contando com a presença de imigrantes estrangeiros: italianos, portugueses, espanhóis, japoneses, sírio-libaneses, judeus, arménios e húngaros. E encantado com a nova cidade e com os diversos habitantes, Guedes não demorou muito para adaptar, utilizou a sua bagagem na imprensa e a forte comunicação com a população negra para ingressar como articulista dos grandes jornais da época - Jornal do Comércio, O Combate, A Razão, Correio Paulistano e Diário de São Paulo - com o intuito de elevar a negritude paulista. “Em todos os seus textos aparecem temas da vida negra, com pessoas negras como protagonistas, valorizando as suas experiências, as suas formas de vida, o seu papel como trabalhadores e construtores da nação brasileira”, conta o professor da Unicamp. Residindo na capital paulista há um ano, Lino Guedes publicou o Canto do Cysne Preto, um livro repleto de poesias sobre o posicionamento negro. “Na obra o eu lírico negro é a voz principal, crítica da escravidão e do processo da abolição; mas, também, uma voz negra voltada para os seus leitores e leitoras, negros e negras, procurando inspirar orgulho, valorizar a experiência negra e também cobrar posicionamentos desses leitores negros com relação ao seu comportamento no mundo”, conta Mário Augusto Medeiros. Lino também produziu “Luiz Gama e a sua individualidade literária” e “Black”. Em 1928, o porta-voz da população negra colaborou com o ativista negro e argentino Celso Wanderley na fundação do jornal Progresso, veículo que tinha como objetivo defender os oprimidos tendo como diretriz única elevar a negritude. Em sua primeira edição, o jornal apresentou o seu recorte racial e o seu objetivo precípuo de batalhar pela população negra. “Guedes denunciava o preconceito e o questionava permanentemente. Ele procurou orientar a população negra, por meio da literatura, para que pudesse ser autossuficiente, autovalorizada e capaz de viver autonomamente por meio da compra de propriedades, estudo e uma vida civil honesta”, destaca o professor da Unicamp. Precursor da poesia negra Com a sua experiência no jornal Progresso (1931 – 1937) e uma forte presença nos movimentos sociais de negro, Lino Guedes decidiu experimentar e expressar conscientemente a alma do seu povo por meio da literatura. A decisão de Guedes o afastara ativamente das ações com a população negra, mas isso não significa que o porta-voz deixara a luta de lado. Nessa nova fase, Lino buscou expressar o seu posicionamento por meio das grandes áreas da literatura. “Guedes escreveu poesias, ensaios, peça de teatro e artigos de jornais”, conta Mário Augusto Medeiros. As palavras do escritor eram consideradas afrontosas, por serem antirracistas e valorizarem a população negra, a experiência negra e seus direitos, o que no início do século XX era o limite mais alto da liberdade de uma pessoa negra. Por ousar e impor o seu posicionamento nas suas obras, Guedes foi visto como resultado de ininterruptas tentativas, escolhas, estratégias, tomadas de decisões, negociações, diante de um contexto que, embora desfavorável, ofereceu possibilidades de interpretações e liberdades, tornando-se assim, precursor da negritude na poesia brasileira no século XX. “Ele alcançou as gerações de escritores e ativistas dos anos 1950 e 1970, através de pessoas que o conheceram ou conheceram o seu trabalho na Associação Cultural do Negro (1954-1976) e nos Cadernos Negros/Quilombhoje (1978- até o presente)”, destaca o professor. Lino Guedes utilizou “Laly” como pseudônimo literário nos seus textos, técnica que havia aprendido ainda jovem na cidade de Campinas. “Seu trabalho era respeitado por seus pares negros, em jornais e organizações, como na Frente Negra Brasileira, no jornal Clarim D'Alvorada”, conta Mário Augusto Medeiros. A voz que nunca se cala Exercendo a sua militância por meio das palavras até 1950, Lino Gudes aposentou-se aos 53 anos por invalidez. “Ele foi um escritor de obras como O canto do cisne preto, Negro preto cor da noite, Vigília de Pai João, Urucungos, Suncristo entre outras, em que publicou poesias na voz negra”, recorda o professor. No dia 3 de março de 1951, às 8 horas, o precursor Lino Pinto Guedes faleceu aos 54 anos em casa. O registro de óbito reforça a importância das serventias do Registro Civil na contação da história de personalidades influentes. “O direito ao registro civil, desde o nascimento, passando pela identidade, aos direitos de propriedade, de educação e mesmo direitos mortuários, são direitos de dignidade como cidadão pleno, da possibilidade de ser reconhecido como membro da vida coletiva”, destaca Mário Augusto Medeiros. Guedes foi sepultado no cemitério do Araçá em São Paulo. Fonte: Assessoria de Comunicação – Anoreg/SP | ||
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